·ï¡÷¡ï· V I D A Humana·ï¡÷¡ï·: P A N D E M I A

Algo que tem chamado minha atenção em muitas opiniões sobre o vírus chinês (covid-19) é a "inocência" do contexto no qual tais opiniões se fundamentam. É com a intenção de clarificar um pouco a questão a quem tiver interesse, que compartilho esse ensaio. Ele será dividido, a princípio, em três partes. No entanto, nada impede que outras sejam adicionadas. Cada uma será atualizada a medida que novas informações sejam disponibilizadas.

Os olhos da escuridão. O Observador, Correio Braziliense, Snopes.

"Os olhos da escuridão" é o nome de um livro lançado em 1981. Esse livro tem um enredo bem interessante. Fala de uma arma biológica chamada Wuham-400, um micro-organismo desenvolvido em um laboratório perto da cidade chinesa de Wuhan onde surgiram os primeiros casos de pessoas infectadas por coronavírus (covid-19). Outro ponto em comum entre o livro e a realidade é o nome do cientista retratado na obra. No livro o cientista é chamado de Li Chen, o mesmo nome do cientista chinês que já publicou estudos sobre o coronavírus.

São apontadas 3 diferenças principais entre o livro e a realidade: No livro o vírus é uma arma feita pelo homem enquanto o coronavírus não seria. A taxa de mortalidade no livro está em 10%, a taxa atual tem ficado abaixo desse valor. A terceira diferença está no período de incubação.

Vou utilizar essas divergências como um roteiro para esse ensaio.

Aqui vou focar no desenvolvimento dos argumentos que, inicialmente, eram contrários a ideia de que o vírus seria uma arma biológica e hoje já consideram essa possibilidade extremamente forte.

Marco zero e arma biológica.

A ideia de que o vírus covid-19 não seria uma arma biológico foi defendida pela própria China no início da propagação. Naquele momento o governo chinês afirmava que tudo tinha começado no mercado de Wuham. Wuhan é a 7º maior cidade da China e um ponto importante de conexão da rede de transporte, sendo estratégica para a infraestrutura ferroviária de alta velocidade.

"São mercados onde animais vivos são vendidos. Você pode ver galinhas vivas e peixes nadando em tanques de água."

"Isso ocorre porque as pessoas querem produtos frescos. Então, por exemplo, diante de um comprador de frango, o vendedor sacrifica e corta o animal no estande. Todas as sobras ficam espalhadas, com pouca higiene e cuidado com a saúde, o que facilita a propagação de doenças", explica Zhang. "Suspeita-se que o vírus tenha se originado em um desses mercados", acrescenta. (1)

Os sites de checagem de notícias como "boatos.org", "lupa" e "e-farsas", publicaram várias matérias que chamavam de "teoria de conspiração" qualquer sugestão de que o vírus tenha sido criado em um laboratório, apoiando assim a narrativa chinesa. Uma das teorias dizia que o vírus foi criado em um laboratório de pesquisa biológica chinês sendo posteriormente lançado em Wuhan, justamente por conta de sua posição estratégica. As teorias também enfatizam que o aparecimento do vírus justo no período das comemorações do ano novo não foi mera coincidência.

O site "e-farsas" cita um estudo que rastreia as possíveis origens do vírus, tal estudo não faz em nenhum momento qualquer menção a possibilidade de que o vírus seria uma arma biológica. Outro dado interessante nesse estudo é o registro histórico de epidemias surgidas na China nos últimos anos. Os grifos em negrito são meus. (2)

A China tem sido o epicentro de infecções virais emergentes e reemergentes que continuam a provocar uma preocupação global. Nos últimos 20 anos, a China tem testemunhado várias doenças virais emergentes, incluindo uma gripe aviária em 1997, a síndrome respiratória aguda grave (SARS) em 2003, e febre alta com síndrome de trombocitopenia (STFC) em 2010. A mais recente foi o surgimento de uma pneumonia viral em curso com etiologia desconhecida na cidade de Wuhan, China.

Em 12 de dezembro de 2019, a Comissão Municipal de Saúde de Wuhan (WMHC) relatou 27 casos de pneumonia viral, sendo 7 deles gravemente doentes. A maioria deles tinha um histórico de exposição ao vírus no Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan. O surto de pneumonia viral em Wuhan está associado ao histórico de exposição ao reservatório de vírus no mercado atacadista de frutos do mar de Huanan, sugerindo uma possível zoonose.

No site Estadão verifica há uma artigo que faz a checagem de uma publicação feita no Diário do Brasil. Se trata da resposta de um analista israelense a pergunta de se é possível uma conexão entre o coronavírus e o programa chinês de armas biológicas. Em resposta, o analista sugeri "uma relação na forma de vazamento do vírus, embora não existam evidências de que isso tenha acontecido". A reportagem ainda argumenta que a maioria dos países abandonou seus programas de armas biológicas em função de sua baixa eficiência. Ou seja, até aqui, era algo meramente fantasioso sugerir que o vírus tivesse origem em algum programa de armas biológicas.(4,5,6,7,8) Surgiu até a hipótese de que o vírus tivesse origem espacial, através de um meteoro que explodiu na China em outubro. (9)

O site Xinhua (site oficial do governo chinês) publicou a seguinte reportagem. Os grifos em negrito são meus. (10)

Aqueles que espalham a teoria de conspiração sobre a pneumonia do novo coronavírus (COVID-19) estão fazendo isso com "más intenções" ou "ignorância absurda", afirmou nesta quinta-feira Geng Shuang, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do país.

Certos indivíduos e meios de comunicação ocidentais sugeriram que o vírus da COVID-19 estaria relacionado com um possível programa de guerra biológica da China e seria uma arma biológica vazada de um laboratório. Geng lembrou que o chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS) havia afirmado repetidamente que não há nenhuma prova de que o vírus da COVID-19 tenha sido criado em um laboratório por engenharia ou causado pelo desenvolvimento de armas biológicas.

Segundo Geng, The Lancet, uma revista médica de renome internacional, publicou uma declaração conjunta assinada por 27 cientistas líderes do mundo no campo de saúde pública, em apoio aos profissionais chineses de pesquisa, saúde e médicos que estão combatendo o surto da COVID-19.

O comunicado disse que os cientistas de diversos países analisaram os genomas do agente causador, concluindo que este coronavírus se originou na vida selvagem, como muitos outros patógenos emergentes.

Sobre essa declaração conjunta publicada na revista The Lancet, o que não é dito pelo site da revista oficial chinesa é que, na página 8, ao comentar os tratamentos testados, uma certa combinação de medicamentos foi associada a benefícios clínicos substanciais. A combinação lopinavir e ritonavir tem se mostrado promissora em pacientes hospitalizados com infecções do tipo covid-19, pois ela ajuda a bloquear a replicação viral. E você sabe para quê são usados esses medicamentos? Para o tratamento da AIDS. Essa mutação que apresenta características do vírus da AIDS serviu de base ao argumento de que o vírus seja uma arma biológica, pois é muito estranho que um vírus tenha, naturalmente, adquirido características do vírus da AIDS.

Também é curioso que as notícias que afirmavam que o vírus tinha características do vírus da AIDS foram negadas por sites de checagem. A primeira notícia a respeito foi um estudo indiano. No entanto, tais suspeitas foram confirmadas posteriormente por cientistas cubanos que apresentaram uma possível vacina e mesmo por médicos chineses. Mas isso tudo, nesse momento, é só um comentário para ajudar a contextualizar a ideia de arma biológica. Esse tema vai merecer um texto em separado.

Voltando as afirmações da China que, inicialmente, defendiam a evolução natural do vírus, negando a possibilidade de que fosse uma arma biológica, elas foram mudando e mudando, até o ponto em que a China começou a afirmar o contrário. Agora, o vírus não surgiu no mercado de Wuhan, sendo, para espanto de todos, uma arma biológica criada pelos EUA. É importante notar que a teoria de que o vírus seja uma arma biológica chinesa não surgiu incialmente como um comentário do governo americano, não era um posicionamento oficial. Já a teoria de que o vírus seja uma arma americana surge como acusação oficial do governo chinês. Acusação que tem sido fortemente rebatida pelos EUA, tanto que o governo passou a identificar o vírus como “vírus chinês”. E os sites de checagem tão prestativos na defesa de que o vírus não era uma arma biológica chinesa, o que publicaram para mostrar ser sem sentido a acusação de seja uma arma dos EUA? Nada! Simplesmente ignoram a acusação e não demonstram nenhuma vontade de contextualizar para saber se faz algum sentido ou não. Isso deixa muito clara a função de sites como e-farsas, lupa, boatos.org e Estadão verifica.

No site AgenciaBrasil (11) é dito que os pesquisadores concluíram estudos genéticos que mostram que o covid-19 não teve origem no mercado, ele espalhou-se rapidamente a partir daquele local, mas teria vindo de um outro lugar. A conclusão que descartou o mercado como epicentro da pandemia é baseada na análise do momento em que os pacientes ficaram doentes. Ora bolas... aquele estudo anterior que relatou 27 casos de pneumonia viral já não havia registrado o histórico de exposição ao vírus ao reservatório de vírus, no mercado? Sendo esse o argumento de que ele não poderia ser uma arma biológica? E aquele relatório publicado pela revista The Lancet e citado pela mídia oficial chinesa já não havia comprovado que o vírus se originou na vida selvagem, não havendo nenhuma prova de que fosse uma arma biológica? E se esse novo estudo foi baseado na análise do momento em que os pacientes ficaram doentes, o anterior não considerou o momento da infecção?

Essa acusação foi só o primeiro passo.

O segundo foi acusar diretamente os EUA, afirmando que o vírus não apenas teria origem nos EUA, mas que foi disseminado pelo exercito americano em Wuhan. Acusação feita por Zhao Lijian que é diretor-adjunto e porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China. (12,13) Acusação que igualmente foi apoiada pelo partido de Nicolas Maduro. (14) E embora sites de simpatizantes como o NES Nordesteusou afirme que a China confirmou que o covid-19 foi um ataque biológico, nada existe nesse sentido. Tanto não existe que nem o site nem a China em seus sites oficiais publicaram algum estudo a respeito. Só discursos vazios. (15)

O que se sabe é que em 20 de janeiro de 2020 a imprensa russa financiada pelo Estado começou uma campanha pela internet, publicando artigos e entrevistas contra o Ocidente. Os operadores das contas nas redes sociais começaram a compartilhar globalmente no dia seguinte. As contas são controladas por pessoas e não robôs, e as publicações são simultâneas em inglês, francês, espanhol, italiano e alemão. (16,17,18)

Para mostrar o quanto a acusação chinesa de que o vírus é uma arma dos EUA é sem sentido, basta lembrar que o vírus era desconhecido antes da epidemia, e que as análises genéticas de amostras de vários países revelam uma fonte comum na China. A própria China concordou com isso nos estudos que apontavam o mercado como epicentro e sobre as características dos animais vendidos ali. Um destaque no primeiro relatório é o estudo de morcegos e cobras.

Tudo isso é nada mais que uma imensa campanha de desinformação coordenada pela China. Semear dúvidas para, no fim das contas, escapar da própria responsabilidade pela epidemia. Algo que o Irã também tem feito. Mas ela ainda fica pior, pois não bastasse ter sido feito todo esse discurso, Zhao Lijian o diretor-adjunto e porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, exige que o exercito americano seja transparente e que torne público seus dados.

Essa acusação e exigência são tão absurdas que merecem análise.

Em primeiro lugar parece que a China é exemplo de transparência com relação aos seus dados. Como se não houvessem questionamentos sobre a manipulação dos dados oficiais do governo sobre a propagação da epidemia, seja a nível interno (19,20), seja a nível externo (21,22,23,24,25) o que não apenas teria baixado de modo artificial a taxa de mortalidade (algo que fica claro na comparação com a Itália), como fez parecer que a China tenha, de fato, conseguido enfrentar a epidemia. Quando oficialmente o número de infectados estava em 198, o número real estimado era de 1723.

Em segundo lugar, essa exigência chinesa de transparência reforça, por contraposição, a ideia de que os EUA tenham milhares e milhares de ações e arquivos secretos. Basta comparar a quantidade de livros, filmes e documentários denunciando os segredos dos EUA com os filmes, livros e documentários denunciando os segredos de Rússia, China, Coreia do Norte, Irã etc. Nós nos acostumamos a não receber a informações desses países e com o tempo acreditamos que essa ausência se deva a uma correspondência com a realidade, não recebemos, pois não existem. Enquanto, por outro lado, a imensidão de denúncias feitas contra os EUA é utilizada como prova de que eles tem muito a esconder. Não percebemos a censura de um grupo que esconde a informação, tampouco a liberdade que permite que se exija informações do outro grupo. O caso recente da expulsão de jornalistas americanos da China é um exemplo muito diático. (26)

Para finalizar essa primeira parte, deixo mais três artigos que complementam o conteúdo. (27,28,29)

Na segunda parte desse ensaio vou reunir informações sobre a taxa de mortalidade do vírus.

1 - BBC - 23/01/2020 - Coronavírus. Como é Wuhan a cidade chinesa onde surgiu o surto.

2 - Journal os Medical Virology - 22/01/2020 - Cross‐species transmission of the newly identified coronavirus 2019‐nCoV.

3 - Estadão verifica - 30/01/2020 - Coronavírus: Site distorce entrevista para sugerir possibilidade de criação de arma biológica.

4 - Boatos.org - 15/03/2020 - China criou coronavírus para ganhar 3º guerra mundial e dar golpe de mestre.

5 - Lupa - 29/01/2020 - Empresa chinesa com logo inspirado em Residente Evil não tem relação com coronavírus.

6 - E-farsas - 28/01/2020 - As empresas que estão estudando o coronavírus tem o logotipo da Umbrella Corporation?

7 - Estadão Saúde - 09/03/2020. - Fake news de coronavírus incluem arma biológica e uísque de prevenção.

8 - Panorama Farmacêutico - 10/03/2020 - Fake news de coronavírus incluem arma biológica e uísque de prevenção.

9 - Daily Star - 12/03/2020 - Coronavirus 'came from space in meteor that exploded in China' claims astrobiologist.

10- Xinhua.net -20/02/2020 - China critica rumores de conspiração relativos ao vírus da COVID-19.