'/> ·ï¡÷¡ï· V I D A Humana·ï¡÷¡ï·: Estamos ensinando muita bobagem...

fevereiro 02, 2011

Estamos ensinando muita bobagem...

Revista Exame, portal on-line.


Nas últimas três décadas, o canadense Henry Mintzberg se transformou num dos nomes mais polêmicos das áreas de administração e estratégia. Raramente Mintzberg, de 61 anos, aceita as teorias alheias sem primeiro testá-las em condições concretas. Muitas de suas próprias idéias surgiram das entrevistas e da observação de gerentes e outros líderes em ação. Formado em engenharia mecânica e artes, no Canadá, Mintzberg continuou os estudos nos Estados Unidos, na Sloan School of Management do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), onde fez mestrado e doutorado em administração. Atualmente, é professor de estudos em administração em Cleghorn, na Universidade McGill, em Montreal. Fluente em francês, Mintzberg é também professor de organização no Insead, na França, uma das mais importantes escolas européias de formação de executivos.

Autor de dez livros, entre eles o discutido Ascensão e Queda do Planejamento Estratégico, Mintzberg está trabalhando atualmente numa nova obra. Intitulada Developing Managers, Not MBAs (Formando Gerentes, Não MBAs, em português), ela propõe novas alternativas para a formação de executivos. ("O MBA é um instrumento fabuloso para se aprender sobre negócios", costuma dizer Mintzberg. "Mas se você quiser treinar administradores está completamente errado. O MBA treina as pessoas erradas da maneira errada, pelos motivos errados.") Na entrevista a seguir, concedida ao professor Daniel McCarthy, da revista americana Academy of Management Executive, Mintzberg expõe suas idéias a respeito dos propósitos organizacionais, do trabalho de gestão e estratégia e discute as alternativas para repensar o ensino de administração de empresas.

Suas experiências pessoais, sobretudo as internacionais, tiveram alguma influência no modo como o senhor vê o papel da gestão estratégica e da administração executiva?

Vou sempre à Europa, desde os 19 anos, e já passei longas temporadas lá. Dos 28 anos em diante, passei a ir todo ano. Nos últimos 10 a 12 anos, estive durante pelo menos metade desse tempo na Inglaterra ou na França, e este ano na República Checa. Creio que isso tem um impacto muito significativo, porque os europeus têm uma maneira de ver as coisas que difere bastante do jeito americano. Acredito que muito se deve ao fato de eu ser canadense. Os canadenses gozam da vantagem singular de ser quase americanos, por isso entendem o que se passa nos Estados Unidos, mas não deixam de ter também um olhar cético em relação a eles. Talvez seja isso que faça com que os canadenses sejam capazes de ver as coisas sob outra ótica. John Kenneth Galbraith, por exemplo, é um economista cauteloso, que observa o que se passa de um outro modo. Galbraith é canadense.

Onde estão hoje os presidentes (CEOs) mais eficazes no que se refere à estratégia?

Sempre reluto um pouco em responder a esse tipo de pergunta, porque basta dizer algo de bom sobre uma pessoa qualquer para que na semana seguinte ela ponha tudo a perder. Esse é o tipo de coisa que exige um conhecimento íntimo da organização antes de qualquer pronunciamento. Não tenho, porém, nenhuma dificuldade em responder ao oposto de sua pergunta, o que para mim é a maior tragédia. De certa forma, somos como crianças. Criamos uma devoção à liderança que vai muito além de tudo o que nos antecedeu em décadas passadas. É como se tivéssemos voltado à Idade Média, em que o majestoso cavaleiro branco sempre aparecia para salvar o que quer que fosse. É o que tenho em mente quando penso na tolice que são os bônus executivos e a idéia de que só há uma pessoa na organização capaz de fazer as coisas. A revista Fortune publicou uma reportagem há alguns anos sobre Lou Gerstner. Segundo a matéria, desde que foi para a IBM, Gerstner teria aumentado a expectativa de rentabilidade da empresa em 40 bilhões de dólares. E sem a ajuda de ninguém! É impressionante. Na verdade, eu diria que é uma criancice pensar assim.

É claro que os líderes fazem diferença. Ninguém duvida disso. Mas os líderes fazem diferença porque incentivam as pessoas, não porque tenham alguma estratégia surpreendente. O que estamos observando agora é o surgimento de um estilo de liderança perigoso. É o que chamo de estilo drástico de administração: são as grandes fusões, o downsizing exagerado, a nova estratégia maciça e espetacular. A maior parte disso é puro lixo e redunda em fracasso absoluto. Leva um certo tempo para que essas coisas entrem em colapso. Nós nos vemos então diante de uma maratona de fusões, em que não faltam fogo, enxofre e drama. Não se pode dizer aos analistas de mercado: "Estamos acertando nossa logística; vamos ser muito mais eficientes na entrega de nossos produtos aos clientes". Se dissermos isso, eles começarão a bocejar. Mas se dissermos "Vamos fazer a maior fusão da história", aí sim eles vão prestar atenção. Esse é o estilo de gerenciamento que conta hoje em dia. Que tristeza!

Aparentemente, sua visão de estratégia tem muito mais a ver com o papel estratégico do presidente...

Genericamente, diria que, toda vez que é preciso repensar o posicionamento de uma empresa, muito do que eu disse torna-se urgente. As boas estratégias nascem de idéias que já vêm circulando pela empresa, aliadas a iniciativas já implementadas pelos diferentes funcionários da companhia. Nem sempre é alguma coisa fenomenal. (grifo meu) Isso significa que os assim chamados estrategistas, ou presidentes extremamente eficientes, têm de pôr de lado suas magníficas estratégias. Eles vão instilar energia nas pessoas quando criarem sistemas que as estimulem e lhes dêem ânimo. Isso é o que acontece na maior parte das empresas jovens de alta tecnologia. Ninguém fica anunciando a introdução de alguma estratégia fantástica. As pessoas são encorajadas a se arriscar onde quiserem. Depois, agrupam-se os resultados obtidos. Quando houver necessidade de alguma nova estratégia mais substancial, é bom que a empresa conte com uma gerência que saiba o que está acontecendo. Não é raro observarmos gente que cai de pára-quedas num lugar sem saber coisíssima alguma do que está se passando.

Esse despreparo é mesmo grande?

Há alguns anos, costumávamos criticar o pessoal que faz MBA porque dificilmente queria trabalhar na área de vendas ou na produção. Contentavam-se só com o marketing e com a parte financeira (exatamente as funções que menos vínculos têm com as demais) e ainda achavam que sabiam como administrar a empresa. Bem, atualmente, eles nem sequer comparecem ao local de trabalho. Basta trabalhar para a McKinsey, por exemplo, que é uma empresa de consultoria, e passar os próximos 20 anos pulando de uma empresa para outra, sem se responsabilizar por qualquer função que seja, exceto a parte operacional e vendas. Portanto, há muita gente gerenciando companhias por aí sem saber coisa alguma sobre a empresa ou a indústria onde trabalha. Se forem perspicazes e espertos como Gerstner, vão ficar quietinhos até dar um jeito na situação. Muitos, porém, não agem assim. Gerstner tem a seu favor o que disse à revista Fortune: "Não pensem que vou lhes dar uma visão fabulosa de mim mesmo". Normalmente, porém, é essa visão fabulosa que se espera num primeiro momento.

Seriam esses os elementos básicos de sua visão sobre o lugar que deve ocupar a estratégia na empresa, bem como o que devem ter na mente os presidentes quando pensarem em estratégia?

Em primeiro lugar, a estratégia precisa ir muito além do primeiro homem da empresa. Creio que isso é parte do problema. É muito cômodo sentar-se na sala de aula bancando o chefe só porque o sujeito tem um belo caso para analisar. Assim se formam os estrategistas mais superficiais. A estratégia é que dá o rumo da organização, e pode ser coletiva, embora não se possa negar a importância da liderança. Mas não há dúvida de que é preciso fazer convergir a teoria e a prática. O pêndulo deslocou-se completamente para um dos lados apenas, reduzindo tudo simplesmente a análises competitivas e industriais. Agora ele correu para o lado oposto, para as capacidades dinâmicas e coisas semelhantes. Talvez devêssemos voltar a reavaliar a empresa com base em seus pontos fortes e fracos, além, é claro, das oportunidades e riscos que ela oferece.

O senhor gosta de acompanhar os presidentes de empresas e observá-los em ação. Qual a vantagem desse tipo de observação pessoal?

Descobri muito tarde na vida que preciso ver as coisas para acreditar nelas. Se eu não vir, não creio. Meu sentido mais aguçado é a visão. Tenho de observar as experiências e registrá-las. Caso contrário, a coisa não adquire vida para mim. Nunca fui capaz de me sentar tranqüilamente e fazer minha pesquisa num determinado local, colhendo uma porção de dados abstratos por meio de questionários que, de certa forma, funcionavam como substitutos de uma avaliação qualquer que eu desejava estudar. Cheguei à conclusão de que não é fácil ser muito criativo com dados abstratos. Sou um crítico feroz dos gerentes que passam o dia sentados em suas salas lendo relatórios financeiros.

Qual sua opinião sobre a administração japonesa? Ela está falida?

O que mais me tem intrigado é o fato de que o grande fracasso econômico do Japão, nos últimos anos, não fez com que o desempenho da Toyota, por exemplo, decaísse o mínimo que fosse. Muita gente acha que a administração japonesa não merece crédito, o que é uma imensa bobagem. A administração no Japão é tão boa quanto sempre foi. Só porque a economia e os bancos japoneses estão passando por dificuldades não significa que a Toyota deixou de ser a melhor empresa automobilística do mundo. O modo como os japoneses aprendem a gerenciar continua a ser tão importante quanto sempre foi, só que não está mais na moda. Por isso, é preciso saber distinguir entre aqueles que estão implementando estratégias novas e drásticas, como a AT&T, e os outros, responsáveis pelo funcionamento das Microsofts e Ciscos que estão por aí.

Bill Gates assumiu a função de desenvolvedor-chefe depois de ter sido presidente executivo da Microsoft. Seria esse um requisito obrigatório para o indivíduo ser um presidente eficiente na empresa?

Não sei, pois não trabalho para a Microsoft. Mas acho saudável que um presidente abra mão do status e da imagem da posição que ocupa e se envolva mais diretamente nos negócios específicos da empresa. Não foi como presidente que Gates a construiu: foi sabendo o que se passa no chão de fábrica. Tudo indica que ele tomou uma atitude muito correta. Há pouco tempo, deparei com uma coisa surpreendente. John Kotter escreveu um livro sobre a turma de MBAs de Harvard de 1974. Alguém lhe perguntou se aquelas pessoas formariam uma boa equipe. Sua resposta, no meu entender, diz tudo o que é preciso saber sobre o estilo não funcional de gestão dos MBAs, tanto na forma quanto no ensino. Kotter disse que eles acreditavam, sem dúvida nenhuma, no trabalho em equipe, mas preferiam uma posição de comando. Acontece que dirigir uma equipe não é a mesma coisa que trabalhar nela. Se todos os membros da equipe quiserem dirigi-la, teremos a antítese do trabalho em equipe. Ocorre que é exatamente para isso que essas pessoas são treinadas, em flagrante contraste com o conceito de como as empresas deveriam funcionar.

Os cursos de MBA desenvolvem estrategistas e líderes, ou estão pura e simplesmente formando pessoas que jamais saberão se articular em equipe?


Em meu novo livro falo sobre os programas convencionais de MBAs, que chamo pejorativamente de currículo da última
moda. Neles são aceitos alunos com uma experiência de, no
máximo, quatro anos de trabalho, com pouco ou nada de concreto na área de gestão. Os programas de MBA preparam o indivíduo para executar funções na área empresarial, mas não oferecem nenhum treinamento efetivo na área administrativa. Os alunos saem achando que já podem gerenciar alguma coisa só porque fizeram um curso de MBA. Estamos treinando pessoas egocêntricas que acabarão assumindo postos de comando, mesmo sem saber o que estão comandando. Vamos pegar um exemplo dentro da sala de aula: pede-se aos alunos que leiam 20 páginas sobre uma empresa da qual nunca ouviram falar. Logo em seguida, já começam a dar palpites. Se um deles disser: "Nunca estive nessa fábrica, não conheço seus produtos, portanto recuso-me a responder à sua pergunta. Este exercício é superficial", esse indivíduo será reprovado. Estamos treinando pessoas para dizer uma porção de bobagens sobre coisas que não conhecem. Trata-se de algo completamente não funcional.

Houve alguma mudança em suas idéias sobre planejamento estratégico desde 1994, quando o senhor publicou The Rise and Fall of Strategic Planning (Ascensão e Queda do Planejamento Estratégico)?

Ao contrário, minhas idéias só se fortaleceram. Acredito com maior firmeza hoje no que disse tempos atrás, se é que isso é possível. Não retiraria um pingo sequer de tudo o que disse. Não creio que se crie uma estratégia através de um processo formal.

Seria muito mais por intermédio de um processo de melhoria contínua?

Sim, e também pela informalidade. Sempre digo às pessoas que, se omitíssemos totalmente a palavra estratégia e falássemos tão-somente sobre novos produtos e novos mercados e o modo como se combinam, pouparíamos muito esforço e evitaríamos muita confusão. Não é uma coisa tão exótica assim: conversaríamos simplesmente sobre novos produtos e novos mercados e a forma como ambos se combinam. Quando se fala em estratégia, tem-se a impressão de que é preciso contratar um consultor. Michael Porter apresenta os meios para a implementação do processo estratégico, mas não fornece a estratégia em si. Certa vez ele disse na Economist que é a favor de técnicas analíticas para a criação de estratégias. Em Strategy Safari, afirmo que ninguém em tempo algum foi capaz de criar uma estratégia por meio de um processo analítico. O processo é de síntese. Toda essa história de análise competitiva e de análise industrial sem dúvida é uma contribuição muito boa, mas não é o processo em si.

Houve muita mudança na profissão de administrador em relação a algumas décadas?

Não creio que haja muita diferença em relação ao passado, porque não vejo a administração como profissão. Também não acredito que tenhamos profissionalizado um pingo sequer a mais do que sua prática efetiva, que é praticamente nula. Há muita gente por aí se fazendo passar por administrador profissional. Apesar disso, não creio que o trabalho tenha mudado muito. Será que as pressões são maiores hoje do que no passado? Não sei. Um dos primeiros estudos sobre o trabalho de gestão foi feito por Sune Carlson, que observou como atuavam os administradores suecos por volta de 1947. Esse foi um ano muito importante porque coincidiu com a fabricação do primeiro computador. Carlson diz que aqueles diretores tinham de lidar com uma montanha de relatórios, e não conseguiam dar conta deles. E não havia computadores. O que há de novo nisso? Nossa capacidade mental não aumentou por causa dos computadores. Quando as pessoas se plugam na Internet em seus escritórios, e dali nunca saem, fingindo que estão se comunicando enquanto martelam o teclado, na verdade estão enganando a si mesmas, porque chega um momento em que têm de sair e conversar frente a frente com seus interlocutores. Portanto, não sei ao certo se as características básicas do trabalho mudaram muito. É uma atividade que ainda obriga a negociar, correr riscos, apagar incêndios e fazer lobby. Nada disso mudou muito com o passar do tempo.

Na sua opinião, existe hoje alguma convergência em direção a um estilo único no mundo em termos de gestão ou de estratégia?

A convergência está se dando em torno da perspectiva de gestão de Wall Street. Conversei, via satélite, com o diretor de um curso de MBA da Argentina e perguntei a ele: "Você está ensinando um estilo argentino de gestão?". O reitor me respondeu muito orgulhoso: "Não, ensinamos o estilo universal de gestão". Mas eu pergunto: o que há de tão universal no estilo propalado por Wall Street? O que vem de lá nem mesmo é válido para os Estados Unidos como um todo. Um capitalista de risco da Califórnia é diferente dos tipos que se vêem em Wall Street. O Japão é um país que promoveu com muito orgulho o seu próprio estilo de gestão. A Alemanha também. Agora, o Japão está sendo pressionado para adotar o estilo americano, assim como a Alemanha. Mas as pessoas não são burras.

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